Entrevistei a atual regente da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP), Marin Alsop. A entrevista foi publicada em holandês, na Revista Forte Magazine. Aqui você encontra a versão em português. A versão em holandês está disponível em pdf.
“ Minha música tem que ser um microcosmo do mundo”
Aos nove anos ela decidiu que seria uma regente. Anos mais tarde, ela se tornou a primeira mulher à frente de uma grande orquestra americana. Marin Alsop, ex-aluna do legendário Leonard Bernstein, é agora uma maestrina de nível internacional. A bem-sucedida diretora da Orquestra Sinfônica de Baltimore comandará esse ano a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP). Nesse verão, ela se apresentará junto com a OSESP no Concertgebouw em Amsterdam.
Marin Alsop parecia predestinada a ser música. Seu pai era um volinista e sua mãe celista. Filha única de dois músicos clássicos profissionais, foi estimulada de todas as maneiras a descobrir a sua musicalidade. Aos seis anos se aposentou do piano, mas havia um violino à sua espera. E este, aliado a um acontecimento importante na sua infância, a levou a horizontes além da carreira de instrumentista;. “Quando eu tinha nove anos, meu pai me levou a um concerto de Leonard Bernstein. A partir daquele momento, sabia que queria me tornar uma regente”.
Leonard Bernstein
Com qualquer adolescente da sua época, Marin Alsop tinha posters dos Beatles na parede do quarto. Mas no seu caso, a famosa banda tinha que dividir o espaço com um poster de Leonard Bernstein. Da parede do seu quarto de adolescente, o ídolo saltou para a sua vida real, quando Bernstein tornou-se o seu mentor alguns anos depois. Esse encontro mudou a sua forma de ver e experimentar a música. “Bernstein era um contador de histórias. Ele me ensinou que em toda composição há uma história que merece ser contada.” Em 1988, Alsop ganhou uma bolsa e teve a oportunidade de estudar com Leonard Bernstein, Gustav Meier and Seiji Ozawa.
Quando Marin Alsop fala sobre Bernstein, pode-se quase tocar a admiração na sua confidente voz: “O seu entusiamo era contagiante. Ele estava envolvido com tantas causas. Era um verdadeiro cidadão do mundo. Por isso eu tento manter a minha música relevante. Minha música deve ser um microcosmo do mundo”.
Primeira Mulher
Em 2005, Alsop foi nomeada diretora musical da Orquestra Sinfônica de Baltimore (OSB). Essa parceria fez história. Foi um trampolim para uma nova era para a orquestra e também um passo importante na carreira da maestrina. A frente da OSB, ela se tornou a primeira mulher a dirigir uma orquestra desse porte nos Estados Unidos. Numa fase financeira desfavorável, a orquestra não gravava há dez anos. Alsop trouxe uma visão artística inovadora, estimulando o acesso á música clássica. Com Alsop no comando, em 2007, a orquestra teve um aumento de 40% de assinantes comparando-se com o ano em que iniciou suas atividades.
Com resultados tão impressionantes numa indústria tão conservadora, Alsop, surpreendentemente, não dá muito importância à questão da “primeira mulher”. “Existem nesse momento mais dirigentes femininas do que nunca, mas não nos níveis mais altos. Não existem muitas oportunidades. Nossa sociedade ainda não está acostumada a ver mulheres em posição de liderança. Tudo muda muito lentamente e é também uma questão de hábito. Penso que uma vez que estejamos habituados com mulheres exercendo papel de líderes, como por exemplo de presidentes, isso deixará cada vez mais de ser um fator relevante. Quando fui a primeira mulher a dirigir um orquestra no Reino Unido, havia uma mulher no comando do país e a reação foi completamente diferente. Agora no Brasil acontece o mesmo. Temos Dilma roussf como presidente. Penso que realmente faz diferença.”
O mundo volta o seu olho para o Brasil
A novaiorquina Marin Alsop (56) tornou-se regente da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP) no início da temporada de 2012 e o contrato de Alsop com a Orquestra Sinfônica de Baltimore foi extendido até 2015. Ele estará à frente das duas orquestras ao mesmo tempo. A OSESP, instituída em 1954, tem mais de noventa apresentações por ano no seu próprio espaço com 1500 lugares. O salão é datado de 1999 e construído na hístorica Estação da Sé. A orquestra tem mais de onze mil assinantes, organiza diversos programas educacionais com mais de oitenta mil visitantes por ano e já gravou mais de 30 albuns.
Apesar de vir de um dos maiores centros urbanos do mundo, Marin Alsop ficou impressionada com São Paulo. “No início fiquei admirada com a imensidão da cidade. Concreto, grafite, trânsito, crescimento acelerado em todos aspectos. Agora adoro a energia da cidade e uma certa aspereza que a cidade tem. Me lembra a minha juventude nos anos 70 em Nova Iorque.”
O Brasil passa por uma fase de muito dinamismo e Marin acha que esse é o momento perfeito para estar na maior cidade da América do Sul. “O Brasil encontra-se num período de desenvolvimento cultural e econômico. Adoro o Brasil. As pessoas são calorosoas, genuínas e sinceras. Também ansiosas por cultura. Fazer música clássica no Brasil é um desafio, mas ao mesmo tempo, vejo nos concertos, salões lotados de gente entusiasmada. O mundo volta o seu olho para o Brasil . Quero estar lá, quero construir algo.”
Um tesouro a ser descoberto
Os portugueses descobriram o Brasil em 1500. Marin, no século XXI. Claro que na maior parte do tempo, ela está em São Paulo, mas já visitou a Amazônia com a família e também esteve em Salvador. “Ainda não estou diretamente envolvida com projetos sociais no Brasil, mas estou profundamente envolvida com pedagogia com o Festival de Campos do Jordão. Visitei o programa Guri e fui a Salvador, quando regi as criancas da orquestra Neojibá. No momento procuro imergir na cultura brasileira e entender tudo o que esta acontecendo.”
Alsop adora música brasileira e jazz americano e procura explorar todas as possibilidades: “Descobri excelentes compositores no Brasil: Guarnieri, Mignone, Edu Lobu, Lorenzo Fernandez. Mas apenas comecei essa viagem e acho que ainda tenho muito o que aprender e explorar. O Brasil é cheio de talentos e calor humano.”
Músicos são sempre músicos em qualquer lugar
Baltimore, Nova Iorque, Londres, São Paulo, Amsterdam. Alsop tem regido orquestras nos quatro cantos do mundo. Ela é regente principal da Orquestra Sinfônica de Bournemouth, se apresenta regularmente como regente convidada da Filarmônica de Nova Iorque, Orquestra da Filadélfia e da Filamôrnica de Los Angeles. Além de reger a Orquestra Sinfônica de Londres em cada temporada.
Ela rege diferentes músicos de todas as partes do mundo, mas encontra mais similaridades do que diferenças. “Músicos compartilham uma linguagem universal. Na OSESP, a atitude da cidade é refletida no grupo. Eles trabalham duro, mas também são flexíveis, calorosos e focados no futuro. Na Sinfônica de Baltimore, as preocupações são mais diárias, como levantamento de fundos, por exemplo. A Orquestra pode estar em outro palco, em outro lugar, em outra fase, mas os músicos são músicos, sempre e em qualquer lugar.”
Alsop ainda é diretora musical do Cabrillo Festival na Califórnia e agora também do Festival de Inverno de Gramado no Brasil. Além de atender a diversos programas de rádio. Ela explica o segredo de como manter uma agenda tão cheia. “Realmente é uma loucura, mas, na realidade, cada projeto está numa fase diferente. Eles exigem diferentes níveis de envolvimento. O Cabrillo Festival já existe há vinte anos. Já está bem estabelecido e só acontece durante o verão. A Orquestra de Baltimore vai super bem e a nossa sinergia é fantástica. E agora a OSESP. É preciso investir. Eu quero construir algo.
Alcançar o impossível
Um regente, sem dizer uma palavra, se comunica com os seus músicos e, de costas para o público, precisa passar a emoção e a sua mesagem. Esse desafio é exatamente o que atrai Marin na sua profissão. “É algo misterioso e abstrato. Mágico. Um regente tem que ler e entender a criação de outra pessoa e motivar os músicos como o compositor gostaria de fazer. Os músicos recebem a minha interpretação e isso é um processo complexo. Tenho a oportunidade de inspirar e tirar o melhor de performances individuais por algo maior que todos. É uma missão compartilhada que começa pelo respeito ao compositor. O maestro é o mensageiro e tem a chance de compartilhar a sua visão da história e influenciar a interpretação do público. Quando isso acontece, o impossível é alcançado.”
A OSESP parece dar um novo impulso à notável carreira de Alsop. “Tudo gira em torno de possibilidades. Isso é o que acho interessante. Fiquei impressionada com a orquestra quando regi como convidada no ano passado. Os músicos são ambiciosos. A orquestra, assim como o público, são muitos responsivos. Uma orquestra de primeira qualidade e um importante passo na minha carreira.
Nesse verão, A OSESP fará um tour pela Europa e se apresentará em 19 de agosto no Concertgebouw em Amsterdam.
3 comments
Parabéns, amiga! Vc só dá orgulho =)
Gostei, a entrevista ficou muito boa.
Obrigada Claudia!