COVID-19 (Coronavírus) na Holanda, uso ou não de máscaras e o que isso nos revela sobre a cultura holandesa.
Depois de muita discussão, Amsterdam e Rotterdam adotaram o uso da máscara em alguns lugares públicos, onde não é possível garantir a distância de 1,5m. A verdade é que o assunto das máscaras tem causado bastante polêmica aqui na Holanda. Mas por enquanto, nada de uso obrigatório em todo o país. Isso significa que cada prefeitura ou região poderá decidir se adota ou não o uso de máscaras. Mas não só as máscaras causaram polêmica, toda a abordagem do governo holandês em relação ao COVID-19 gerou protesto, discussões e também nos revelou muito do jeito de ser holandês.
A abordagem do COVID-19 na Holanda isolou o país
No caso do COVID-19, é como se estivéssemos trocando a corrente da bicicleta enquanto pedalamos. Ou seja, os estudos e aprendizados vão sendo realizados e compartilhados, enquanto os países se dividem em opiniões, pesquisas e diferentes estágios da pandemia.
A Holanda se tornou uma ilha num oceano de países que já adotaram o uso obrigatório da máscara. Mesmo assim, o país continua – junto com a Suécia – com o nariz empinado e se recusa a adotar o uso da máscara. Mas por que?
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Por que a Holanda não quer adotar a máscara em todo o país?
Ainda não temos vacina, remédios e evidências científicas do que realmente funciona ou não. Em outras palavras, esse é um solo fértil para rumores, suposições e decisões baseadas em dados parciais. No caso das máscaras, apesar de alguns estudos isolados mostrarem resultados positivo, ainda não existe uma prova definitiva de que a máscara realmente é efetiva no controle do coronavírus. Também os estudos mostram resultados bastantes diferentes. E aí é que o governo holandês fincou a sua trincheira.
Além disso, a Holanda, no início da pandemia, temia que a máscara daria um falsa pretensão de segurança às pessoas, que negligenciariam a distância. Ou seja, se já estou protegido, não preciso manter a distância. Um recente estudo, comprova exatamente o inverso: que as pessoas se tornam mais cientes e mais cautelosas.
Bom, eu não sou cientista e não tenho a resposta se a máscara funciona ou não, mas vivo na Holanda há 14 anos e posso dizer que conheço a cultura holandesa. Assim, nesse dilema do uso ou não da máscara e na abordagem do COVID-19, reconheço várias características do jeito se ser holandês.
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O que o COVID-19 na Holanda nos ensina sobre a cultura país
Teimosia
Em geral, os holandeses são teimosos e difíceis de ser convencidos. É preciso ter uma prova irrefutável, já que as decisões são baseadas em fatos. No início da pandemia, a Holanda optou pelo sistema de lockdown inteligente e foi muito criticado. O governo manteve-se firme e, apesar do país ter sido fortemente impactado, teve um dos picos mais curtos da pandemia. Também, manteve a pressão nos serviços de UTI’s sob controle – com o auxílio de leitos na Alemanha. O que não temos é a resposta se um total lockdown teria feito diferença nas mortes por Coronavírus ou no número de infectados.
Quanto às máscaras, desde o início, eles anunciaram diversas vezes que não havia evidência científica de que a máscara realmente era um meio eficiente de proteção e/ou controle do vírus. Agora, vai ser difícil voltar atrás e admitir que pode ser uma medida extra no controle ao Coronavírus. Vejo um misto de orgulho e teimosia, que já observei em outras situações. E é claro, o pragmatismo.
Pragmatismo e frugalidade
Associada à teimosia, vêm o pragmatismo e a frugalidade holandesas. A cultura holandesa é fortemente influenciada pelo Calvinismo. Isso quer dizer, a ordem do dia é: nada de exagero, dois pés no chão e agir baseado em fatos. Assim, se não há nenhuma prova científica, a máscara passa a ser um inútil exagero.
A postura Calvinista frugal, fez com que a Holanda regulasse com mãos de ferro os testes quando os casos começaram a aparecer. Também, a decisão de não recomendar o uso de máscaras veio do receio de faltar máscaras para os profissionais na linha de frente que estavam lidando com pacientes infectados com o COVID-19.
O poldermodel – a dança do consenso entre ciência, política e coletivo
As decisões na Holanda são tomadas seguindo o poldermodel, um modelo que busca o consenso. Mas atenção: isso não significa exatamente a maioria. O que se busca é um consenso onde todos entrem em acordo. E quando a mensagem é negativa e traz restrições para a população, o poldermodel adquire ainda mais relevância.
O que tenho visto nos últimos meses é uma dança entre os políticos, os experts do RIVM (o Instituto Nacional de Saúde e Meio ambiente Holandês) e o povo holandês. No início da pandemia, os políticos se posicionavam como um auto-falante dos especialistas, e enfatizavam que seguiam à risca a recomendação dos especialistas.
Agora, os políticos entram mais em cena com um mensagem menos técnica e mais de liderança à população. Afinal, essa não é uma coreografia restrita ao governo e ao RIVM. A população foi convidada para pisar no palco como co-responsável na guerra contra o Corona. Assim, quando o lockdown inteligente entrou em vigor, a equipe do governo colocou suas fichas na atitude responsável da população e na consciência de que o interesse em proteger o coletivo teria mais peso do que a liberdade individual.
E agora? Como fica abordagem do COVID-19 na Holanda
Passado o pico da pandemia e na iminência de uma segunda onda, vemos que o experts se aproximam ainda mais da política e lideranças políticas assumem um papel mais importante – já que a parcela mais jovem da população se cansou das restrições. Assim, quando o relaxamento das medidas foi anunciado, esse segmento foi com muita sede ao pote e agora vemos a curva mudando de padrão e um aumento no casos de contaminação. O que não podemos esquecer é que estµão sendo feitos mais testes e isso, claro, isso influencia o resultado total.
O medo da segunda onda traz de volta a discussão das máscaras, possibilidade de volta do lockdown, polarização de segmentos da sociedade. Por enquanto, a Holanda se mantém firme: nada de medidas nacionais, mas sim apagar incêndios localizados, através d e medidas locais e regionais
É esperar pra ver, mas a pergunta que fica é: Será que a falta de prova seria suficiente para não tentar toda e qualquer possibilidade?
Curiosa para saber a sua opinião. O que você acha?
4 comments
A única coisa que me preocupa é a dificuldade em rever as posições e reconhecer os erros! Não sei se estou enganada, e se tiver me esclareça, mas sinto que muitas ações não serão aplicadas por motivo de orgulho! Desta forma, a tal da famosa assertividade fica capenga porque esta habilidade envolve flexibilidade, autorreflexão e sinceridade, no mínimo! Obrigada pela matéria! E mesmo assim, continuamos os amando, pois amor é aceitar o outro com todas as suas essências!
Oi Simony, obrigada pela leitura e comentário. Compartilho do seu sentimento. Vejo muito orgulho e teimosia. Me lembrei desse texto sobre o pedido de desculpas . Mas sim continuamos a tentar entender o outro e as razões para acada atitude. Enterder para melhor se relacionar. Volte mais vezes, precisamos de participações e reflexões como a sua.
Estou morando na Holanda ha quase três meses e acho que o holandês tem se mostrado egoísta! Com todos que eu converso dizem que a mascara protege os outros e não você… bom então se todos usassem seriam todos protegidos certo?! Além disso não vejo ninguém mantendo 1,5m de distância e para eles parece não haver a doença.
A segunda onda enfim chegou e agora vamos pagar o preço dessa teimosia!
Olá Silvia,
obrigada pelo seu comentário. A questão das máscaras realmente é complicado. Para mim, é uma questão mais de teimosia e a falta de prova científica. O governo não quer voltar atrás, depois de muito anunciar que as máscaras não funcionam. A questão da distância, acho que independe da nacionalidade, mas como você, vejo muita gente que não se preocupa em manter a distância.
Volte mais vezes!